quarta-feira, 4 de novembro de 2009

FHC: como matar um projeto de oposição

O Vinicius Torres Freire, do caderno Dinheiro da Folha, entrevistou o ex-presidente FHC, para entender o significado do seu artigo de domingo passado, na Folha em O Globo. É curioso o artigo, apenas devido ao fato de Vinicius ter captado bem a falta de rumo de FHC. Fala da desarticulação da oposição, da falta de eco do Congresso, do fato dos grupos de discussão da sociedade civil estarem mais preocupados com temas específicos, do que com a política em geral.

Constata uma situação, na qual ele – como líder maior da oposição – é o grande responsável. E constata como um intelectual que analisa uma situação do lado de fora, sem nenhuma responsabilidade sobre os eventos analisados.

Quando se olha para trás e se vê a formação das idéias no PSDB de FHC, percebe-se como o partido jogou fora todas as bandeiras renovadoras que ajudaram a construir sua reputação.

Na época, parecia ser o único partido racional, as melhores idéias caíam no seu colo quase que por gravidade. Ganhou o apoio de um número significativo de pensadores que garimpavam o novo, por sua aparente disposição em ouvir propostas, em aplaudir a modernidade que emergia. Afinal, era um partido de intelectuais, acadêmicos, egressos da Universidade, aparentemente racionais e visando o bem comum.

Mas era só da orelha para fora, apenas jogo de cena visando exclusivamente ganhar aliados para tarefas bem mais comezinhas: a montagem do grande sistema de apoio econômico que surge da privatização.

O encontro de contas

O melhor exemplo para ilustrar FHC, presidente, foi um episódio que ocorreu logo após a crise cambial de janeiro de 1999. FHC estava caindo pela tabela. O governador mineiro Itamar Franco anunciara o calote de Minas em uma dívida avalizada pelo Tesouro. Atingidos em cheio pela crise, governadores eleitos anunciaram uma ida em bloco ao Palácio em um final de semana, para reivindicar recursos da União.

Anos antes, eu tinha ajudado a divulgar idéias bastante originais de Paulo Britto e Paulo Rabello de Castro, naquilo que acabou conhecido como o Plano K. Consistia em um encontro de contas geral, no qual as dívidas de estados e municípios com os fundos sociais (Previdência e outros) seriam convertidas em moedas sociais que facultariam aos trabalhadores participar e se beneficiar da privatização.

A proposta era brilhante, por permitir a criação de um capitalismo popular – nos moldes do que havia sido feito com a pulverização de ações de estatais britânicas -, fortalecer o investimento interno, encaminhar a solução de problemas fundamentais de contas públicas (déficit da Previdência e dos estados e municípios), legitimar a privatização.

Corri mundo atrás de aliados a essa tese. Ainda no governo Itamar, conversei com Andrezinho Franco Montoro e José Roberto Mendonça de Barros – que estavam à frente do programa de privatização. Depois, com Antonio Kandir, Pérsio Arida, Tasso Jereissatti, José Serra. Em vão. Ninguém apresentava uma restrição sequer ao modelo, mas ninguém dava um passo sequer para defendê-lo. Pela óbvia razão – que só entendi anos depois – de que na lógica do partido já estava consolidada a estratégia de criação de novos supergrupos aliados, com a privatização, visando garantir a perpetuação no poder.

Em 1999, com a crise correndo solta, lembrei novamente das idéias dos Paulo. Escrevi uma coluna. No dia seguinte me ligou o David Zilberstjan – ainda genro de FHC -, dizendo que poderia ser a saída para a crise. Comentara com FHC, durante a inauguração de uma hidrelétrica, ele manifestara interesse no tema. David perguntou se eu poderia ir à Brasília conversar com FHC. Marcamos para dali a alguns dias.

Deflagrou-se então uma operação destinada a aproveitar a crise para um salto no país. Conversei com o governador do Paraná, Jayme Lerner, que tinha idéias semelhantes e ajudaria a convencer o PFL. Paulo Rabello – que tinha relações com o PFL – conversou com a cúpula do partido. Fui a Brasília para uma conversa com Pimenta da Veiga, que me decepcionou, mostrando um homem público sem nenhuma vontade política. Paulo Britto reuniu-se com lideranças do PSDB. O tema “encontro de contas” ganhou consistência. Uniformizou-se o discurso, criou-se um bom entendimento sobre o sentido geral da proposta.

No sábado houve a reunião de FHC com os governadores rebeldes. O resultado foi satisfatório e mereceu uma nota positiva no The Financial Times – talvez a primeira notícia positiva desde que a desvalorização cambial implodiu com o governo FHC. Os governadores voltaram para casa satisfeitos, a rebelião estava contida.

Nos dias seguintes, nas semanas seguintes, nos meses seguintes, ficamos aguardando os desdobramentos da reunião, o grande salto que permitiria legitimar a privatização, trazer uma solução para o déficit da Previdência. Em vão. A idéia – para FHC – era apenas uma maneira de contornar um problema imediato. Jamais teve gana de mudanças, jamais teve um pensamento modernizador sequer. Na entrevista com ele, com que fecho meu livro “Os Cabeças de Planilha” percebe-se um pensador raso, que só conseguia imaginar um modelo de país: grandes grupos sendo constituídos e levando o país atrás de si.

E não houve uma liderança nova no partido capaz de galvanizar as novas idéias e perseguir o novo. Nem de se dar conta de que, ao permitir que a mídia e FHC assumissem a liderança do partido, colocaram todo um projeto de país a serviço da vaidade de um homem público cujo único propósito era recuperar a própria imagem. E, para isso, não vacilou em marcar definitivamente o PSDB com a sua marca, a de presidente mais impopular da história do país. E esse vazio empoado foi sustentado nesses anos todos por um colunismo preconceituoso, muito mais próximo do esnobismo das colunas sociais do que da consistência das discussões públicas.

O que moveu FHC foi exclusivamente a lógica da tomada do poder. Tarde demais se deu conta de que sem projeto, sem votos, sem legitimação, é apenas um ex que tem em seu currículo dois feitos: o de ter matado um projeto de poder, e, agora, de ter matado um projeto de oposição.
Da Folha

VINICIUS TORRES FREIRE

FHC, Lula, apatia e “autoritarismo”

Satisfação com a economia ofusca “desvio da democracia”, mas é preciso “balançar o coreto”, afirma ex-presidente

A SATISFAÇÃO com a economia é um fator de “apatia” no Brasil. Tal ambiente favorece o “autoritarismo popular” que está no “DNA” do governo Lula e do lulismo. Mas por que a oposição é também apática e omissa, pergunta-se ao autor da tese da “apatia cum autoritarismo popular”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso? “Sim, a oposição está meio apática, como quase todo o país. Mas a oposição partidária é congressual.

Não repercute na sociedade. A sociedade, por sua vez, não tem dado muito ouvido ao que se passa por lá no Congresso, por achar que o Congresso não decide assuntos de relevância cotidiana ou por desconfiar do que sai de lá [Congresso], pelos motivos conhecidos. E o governo [Lula] teve papel importante nesse apequenamento do Congresso, dadas as ingerências e os chamados “escândalos’”, diz FHC a esta coluna.

E a apatia do PSDB e de seus candidatos indecisos? “O Congresso, os partidos, o PSDB também, as lideranças, não repercutem. Falta mais articulação com a sociedade. Mas os candidatos se movem pelo cálculo eleitoral, não tem jeito. Mas a discussão desses problemas interessa a muito mais gente, vai muito além do PSDB. Não escrevi para conclamar a oposição. Esse debate não pode ser rebaixado pela partidarização excessiva. Mas, afora o “partido dos economistas”, os intelectuais não se manifestam, contra ou a favor, de maneira pública, pensada (o Brasil tinha o partido dos advogados, agora tem o dos economistas, sinal da mercantilização do Brasil e do mundo). Os movimentos sociais, as organizações da sociedade, quando não estão aninhadas na burocracia do Estado, limitam-se a temas especializados. Isso por um lado é bom: discute-se a sério ambiente, drogas, violência. Mas não a política maior desses e outros assuntos”, diz FHC.

Mas qual a relação atual entre popularidade e risco de autoritarismo? “O país está mais apático porque a situação econômica vai bem. E espero que vá cada vez melhor. Mas a satisfação com as condições de agora não nos deve impedir de pensar que tipo de sociedade e de Estado que estamos construindo. As pessoas aplaudem porque estão satisfeitas com o que lhes diz respeito, mais imediatamente. Mas o aplauso não significa aprovação a qualquer atitude do governo, e muitas vezes as pessoas não têm consciência das consequências de várias dessas ações.”

Mas onde está o autoritarismo? “Há uma grande cooptação. Há ingerência direta nos partidos, ataques à imprensa, à gestão de empresas. O presidente escolhe não só a candidata (até sem ela mesma saber) mas define nomes pelo país todo, em vários partidos, interfere diretamente no Congresso. Não sou “neoliberal”. E não sou a favor disso que chamam “Estado forte”, mas de um Estado competente. Esse “Estado forte” é paternalista, organiza os negócios, destrói os partidos, coopta setores sociais com recursos do Estado. Tudo isso ocorre em clima de forte personalização, em que o presidente centraliza em si decisões estratégicas (como na compra dos caças, do pré-sal, coisas feitas com atropelo, sem seriedade), com alianças partidárias que não foram feitas com base em um programa. Isso reforça as características da nossa “Presidência imperial’”, diz FHC.

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